O Olhar Pedagógico das Oficinas Audiovisuais por Marcelo Rodrigues nos 10 anos de FICCA
- Francisco Weyl
- há 6 dias
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Há dez anos, o Festival Internacional de Cinema do Caeté (FICCA) planta sementes profundas no coração do Pará. Entre a maré e a memória, entre o cinema e a comunidade, o festival se consolidou não apenas como uma mostra de filmes, mas como um laboratório vivo de formação, escuta e criação coletiva. Sob a curadoria e coordenação de Francisco Weyl, o FICCA chega à sua décima edição reafirmando sua singularidade: um festival que não se encerra nas telas, mas se derrama em oficinas, rodas de conversa e práticas pedagógicas que atravessam escolas, praças e associações culturais do Caeté.

A Gênese e os Princípios do FICCA
O FICCA nasceu com um gesto insurgente: levar o cinema para onde ele historicamente não chegava, ampliando horizontes e oportunidades em comunidades ribeirinhas, quilombolas e escolares. O festival rompe com a lógica centralizadora dos grandes circuitos de cinema, propondo uma abordagem radicalmente inclusiva. Francisco Weyl, seu criador e curador, sempre concebeu o festival não apenas como mostra cinematográfica, mas como um espaço de construção de identidade coletiva, pertencimento e transformação social.
No território do Caeté, onde o cotidiano se entrelaça com histórias ancestrais, o FICCA encontrou terreno fértil para desenvolver uma pedagogia do cinema baseada na escuta, na experiência estética e na troca cultural. Diferentemente de outros festivais, que privilegiam o mercado, a competição ou a crítica formal, o FICCA aposta na vivência humana, no gesto pedagógico e na inclusão das comunidades como coautoras do festival.

Dez Anos de Caminho
Desde sua primeira edição, realizada de forma quase artesanal, o FICCA percorreu um trajeto impressionante de crescimento e consolidação. Cada edição marcou um avanço e abriu novas possibilidades:
1ª edição – gesto inaugural: levar cinema para onde nunca havia chegado, aproximando territórios e espectadores.
2ª edição – primeiras oficinas formativas, incentivando jovens a criar e narrar suas próprias histórias.
3ª edição – expansão para escolas públicas, consolidando parcerias institucionais e fortalecendo a presença educativa do festival.
4ª edição – chegada às comunidades ribeirinhas e quilombolas, integrando saberes locais à linguagem audiovisual.
5ª edição – fortalecimento do eixo pedagógico com oficinas estruturadas, metodologias reconhecidas e primeiro caderno de práticas pedagógicas.
6ª edição – internacionalização: filmes de fora do Brasil ecoam no Caeté, trazendo novos olhares e perspectivas.
7ª edição – afirmação da memória oral e audiovisual das comunidades, registrando histórias e preservando identidades.
8ª edição – foco nas novas linguagens e na videoarte, incentivando a experimentação estética e o diálogo entre tradição e inovação.
9ª edição – articulação ampliada com políticas públicas e pontos de cultura, fortalecendo a sustentabilidade e o alcance do projeto.
10ª edição – celebração do percurso, reafirmando o compromisso com a pedagogia do encontro e a experiência estética coletiva.
Cada edição trouxe histórias marcantes. Crianças e jovens assistindo suas primeiras produções em tela grande, professores redescobrindo a potência do cinema como ferramenta de ensino, líderes comunitários reconhecendo suas memórias e tradições representadas nas imagens projetadas. O FICCA não é apenas um festival; é um movimento de resistência cultural que atravessa gerações.
Um Festival Diferente de Todos os Outros
Em um cenário em que festivais frequentemente se concentram em premiações e circuitos comerciais ou acadêmicos, o FICCA se distingue. Ele não é apenas palco de filmes, mas espaço de escuta, experimentação pedagógica e transformação social.
A diferença está na abordagem: enquanto outros festivais privilegiam curadoria crítica e estética, o FICCA integra oficinas, rodas de conversa e práticas coletivas de criação. Crianças e jovens não são meros espectadores; são coautores da narrativa audiovisual, aprendendo a transformar memórias, histórias e afetos em imagens.
Esta perspectiva é fruto da pesquisa e do pensamento de Francisco Weyl, que entende o cinema como um ato pedagógico e político, capaz de construir identidade coletiva e fortalecer a percepção crítica. Assim, o FICCA se aproxima mais de uma escola viva do que de uma mostra convencional.

Marcelo Rodrigues Silva: O Olhar Pedagógico das Oficinas Audiovisuais
Se o festival tem alma pedagógica, ela ganha corpo nas mãos de seus coordenadores de oficinas. No eixo audiovisual, este papel é desempenhado por Marcelo Rodrigues Silva, repórter cinematográfico com mais de três décadas de experiência.
Marcelo não é apenas um coordenador de oficinas; é um guia e mediador que atravessa com crianças e jovens as portas do cinema. Em Bragança, Augusto Corrêa e Quatipuru, ele percorre escolas e comunidades, câmera ao ombro, escutando memórias, narrativas e afetos, incentivando a expressão e a reflexão.
Nas oficinas que coordena, o cinema se transforma em exercício de pertencimento. Cada atividade é planejada para criar um espaço de diálogo, escuta e construção coletiva, onde os alunos aprendem a usar a câmera como instrumento de narrativa, crítica e afetividade.

Marcelo vê a pedagogia como uma experiência espiritual e comunitária:
“O FICCA é esse abraço. A gente abre os braços e recebe o outro, assim como é recebido pelo outro. Isso é muito lindo, porque nos faz sentir em um lugar de pertença, de troca.”
O coordenador observa com atenção o envolvimento das crianças: desde o primeiro dia de oficina até a última exibição, o quórum é mantido, a interação é intensa, e o retorno afetivo é visível. Cada gesto, cada comentário e cada imagem produzida é valorizado, traduzindo o festival em um processo de enriquecimento mental e espiritual.
Trajetória de Marcelo Rodrigues
Formado em Comunicação Social, Marcelo iniciou sua carreira no Projeto TV de Rua, em Belém, nos anos 1990. Desde então, dedicou-se à valorização da memória cultural amazônica, produzindo filmes e documentários que registram tradições, manifestações populares e identidades locais:
O Boi de Máscara (2009) – sobre as brincadeiras de boi em São Caetano de Odivelas;
Letras que Flutuam (2014) e Marajó das Letras (2016) – dedicados aos abridores de letras do Marajó;
Chamando os Ventos (2018) – contemplado com a Bolsa SEIVA de Pesquisa e Experimentação Artística;
Mestre Damasceno – O Resplendor da Resistência Marajoara, entre outras produções experimentais e documentais.
Nos últimos anos, Marcelo também se engajou em iniciativas comunitárias, como a Biblioteca Itinerante BombomLER e o Cineclube BombomLER, reafirmando sua vocação de educador popular. Toda essa experiência se condensou em sua atuação no FICCA, onde ele aplica sua sensibilidade de cinegrafista e educador de forma intensa e transformadora.

O Núcleo Pedagógico Ampliado
O FICCA organiza seu núcleo pedagógico em duas frentes complementares:
Marcelo Rodrigues Silva – coordenador das oficinas audiovisuais;
Rosilene Cordeiro – coordenadora das oficinas artísticas;
Francisco Weyl – coordenador geral;
Roberta Mártires – coordenadora de produção.
Essa estrutura fortalece o festival como espaço de aprendizagem integral, onde o audiovisual e as artes dialogam, e a comunidade se torna participante ativa. As oficinas funcionam como laboratórios de pensamento crítico, ética, estética e pertencimento, envolvendo professores, alunos e lideranças locais em trocas que extrapolam a sala de aula.
Experiências de Campo e Impacto Comunitário
Em Quatipuru, Marcelo e sua equipe conduziram oficinas que se tornaram muito mais do que atividades de iniciação ao audiovisual: tornaram-se um exercício de escuta e reconhecimento. Os alunos trouxeram memórias de casa, afetos e histórias locais, que foram transformadas em imagens e vídeos. A presença de lideranças comunitárias, como a Sargento Socorro e sua filha, além de Lucinha, mostrou que o festival não se limita a cineastas: é para toda a comunidade.

Marcelo observa cada gesto, cada reação:
“Ver o brilho no olhar daquelas crianças, a maneira como trouxeram o afeto da casa para a roda… isso é muito lindo. Eu fiquei emocionado.”
A experiência evidencia a força da pedagogia do FICCA, que transforma o cinema em escola, escuta e pertencimento coletivo.
Pensamento Crítico e Diálogo Ético
Além de técnica, as oficinas estimulam reflexão e debate. Marcelo recorda diálogos sobre ética e moral, conduzidos pelos alunos, e a importância das falas das professoras e coordenadoras locais. A pedagogia do festival rompe a lógica vertical da educação, propondo processos coletivos de criação, escuta e questionamento, que fortalecem a cidadania cultural.
O Legado do FICCA
Ao completar dez edições, o FICCA se consolida como um dos festivais mais originais do Brasil. Seu alcance ultrapassa fronteiras, dialoga com Portugal e África, mas mantém suas raízes no Caeté como território cultural e pedagógico.
Marcelo Rodrigues é peça-chave nesse projeto, conectando técnica à sensibilidade, câmera ao afeto, audiovisual à crítica. Seu testemunho mostra que o festival não se limita a telas e palcos: está no olhar brilhante das crianças, no gesto coletivo das rodas e no aprendizado que nasce da vida cotidiana e se transforma em imagem.
O FICCA demonstra que cinema pode, sim, ser educação, cidadania e futuro, e que a pedagogia insurgente proposta por Weyl se concretiza através do trabalho apaixonado de coordenadores como Marcelo.

O Futuro e a Renovação
A décima edição do FICCA é um marco de celebração, reflexão e compromisso. O festival reafirma sua vocação pedagógica, a força das oficinas e a importância de integrar cinema, comunidade e memória. Com Marcelo Rodrigues e Rosilene Cordeiro coordenando as oficinas, Francisco Weyl liderando como curador e Roberta Mártires como coordenadora de produção, o festival se projeta como modelo de inovação pedagógica e cultural no Brasil.
“O FICCA é esse abraço. Ele nos faz sentir pertencentes, parte de algo maior. Cada edição é um processo de renovação espiritual e coletiva”, diz Marcelo Rodrigues Silva.
Ao final desta década, o FICCA prova que o cinema é também escola, memória viva e força transformadora, e que o trabalho de educadores, coordenadores e comunidade cria um legado que ultrapassa a tela e permanece no coração de todos que participam.

REALIZAÇÃO: X FICCA – Festival Internacional de Cinema do Caeté / Arte Usina Caeté
PATROCÍNIO: Governo Federal/Ministério da Cultura; Governo do Pará/Secretaria de Cultura/Fundação Cultural do Pará, através da PNAB e Lei Semear; do Instituto Sustentabilidade da Amazônia com Ciência e Inovação; e Casa Poranga e de Seu Rompe Mato
APOIO CULTURAL: Multifário; Associação Remanescentes de Quilombolas do Torre/Tracuateua; Grupo de Pesquisas PERAU-PPGARTES-UFPA; Academia de Letras do Brasil; ALB-Bragança; Henrique Brito Avocacia.
APOIO INTERNACIONAL: Livraria Independente Gato Vadio (Porto); BEI Film; Escola Superior de Teatro e Cinema - Instituto Politécnico de Lisboa; Associação Nacional de Cinema e Audiovisual de Cabo Verde; Fundação Servir Cinema Cinema - Cabo Verde
PARCERIA: BRAGANÇA: CVC; Pousada de Ajuruteua; Pousada Casa Madrid; Pousada Aruans Casarão; Mexericos na Maré; Paróquia de São João Batista; AUGUSTO CORREA: Escola Lauro Barbosa dos Santos Cordeiro - Patal; EMEF André Alves – Nova Olinda, Augusto Corrêa. PRIMAVERA: Vereador Waldeir Reis; Espaço Cultural Casa da Vó Zinha; Carimbó do Nilo; Associação dos Produtores de Guarumandeua; Associação das Famílias Reunidas do Jabaroca; Grupo de Carimbó Raio se Sol; QUATIPURU: Monóculo da Vovó; Associação Quilombola de Sacatandeua; ANANINDEUA: Centro Cultural Rosa Luxemburgo; BELÉM: Cordel do Urubu; Vagalume Boi Bumbá da Marambaia; Cine Curau; Casa do Poeta Caeté.
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