top of page

Monóculo da Vovó e FICCA: cinema, memória e resistência no coração da Amazônia

  • Foto do escritor: Francisco Weyl
    Francisco Weyl
  • 27 de ago.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 14 de out.

ree

[Por CARPINTEIRO DE POESIA / FOTOS: Marcelo Rodrigues] No município de Quatipuru, no nordeste do Pará, ergue-se um espaço cultural que, apesar da simplicidade física, guarda uma força simbólica e comunitária imensurável: o Monóculo da Vovó. Sob a coordenação da artista visual e educadora patrimonial Cássia Costa, o espaço se consolidou como um ponto de resistência cultural, dedicado à memória popular, à salvaguarda da marujada e à transmissão de saberes imateriais.

O Monóculo é, antes de tudo, um território de afeto e partilha. Ali, a oralidade se encontra com a criação artística, a tradição popular dialoga com linguagens contemporâneas, e a educação patrimonial se torna prática diária de cidadania. “Eu trabalho aqui com a salvaguarda da cultura popular e a cultura imaterial, que no caso a nossa maior expressão é a marujada. Faço serviço nas escolas, com educação patrimonial e promoção da nossa memória. É luta diária, sem apoio do município, mas seguimos porque amamos o que fazemos e porque sabemos que o conhecimento precisa ser repassado”, afirma Cássia Costa.

A chegada do FICCA: cinema de chão encontra memória vivaSe o Monóculo já era um espaço de resistência, a partir de 2022 ele se tornou palco de uma parceria transformadora: a união com o Festival Internacional de Cinema do Caeté (FICCA). Criado em 2015 pelo poeta e cineasta Francisco Weyl, o festival nasceu como gesto insurgente no interior do Pará, propondo-se a fazer cinema-guerrilha em praças, escolas e comunidades.

ree

Dez anos depois, o FICCA consolidou-se como um festival comunitário, solidário e formativo, que se distingue radicalmente do modelo comercial e industrial. Sua trajetória percorreu:

- 2015–2018: oficinas em escolas públicas e comunidades, formação de jovens realizadores, cinepoemas e microdocumentários;

- 2019: internacionalização em Cabo Verde (África), iniciando um diálogo afro-luso-amazônico;

- 2020–2021: resistência em tempos de pandemia, com sessões online e filmes coletivos;

- 2022–2024: retomada presencial, oficinas contínuas em escolas de Augusto Corrêa e expansão da rede de oficineiros;

- 2025: ano do décimo festival, com itinerância entre Pará, Portugal e Cabo Verde, reafirmando-se como rede de cinema, formação e memória coletiva.

Como define Weyl: “Não somos um festival de gala. Somos um festival de chão. Nosso tapete vermelho é a terra molhada do Caeté. O FICCA não busca bilheteria ou glamour: busca formação, escuta e resistência”.

ree

Oficinas no Monóculo: da imagem oral ao cinema realNos dias 22, 23 e 24 de agosto de 2025, o Monóculo da Vovó se converteu em um verdadeiro laboratório de criação audiovisual, recebendo a oficina “Da imagem oral ao cinema real”, organizada em parceria com o FICCA.

Durante três dias, jovens, mestres da tradição oral, professores, artesãos e moradores se reuniram para vivenciar práticas que uniam oralidade, artesanato e cinema. O crochê criativo tornou-se metáfora visual; a contação de histórias ancestrais se transformou em roteiro; a escuta coletiva virou som de trilha; e a memória oral foi transposta em imagem.

“Para o Monóculo, é uma satisfação ser parceiro do FICCA. É uma oportunidade para nós e para toda a comunidade daqui de Quatipuru. Uma oportunidade para que as pessoas aprendam e adquiram conhecimento em relação ao audiovisual, através das oficinas, das rodas de conversa e dos filmes exibidos. Esse conhecimento é muito importante para todos que gostam e trabalham com isso”, afirma Cássia.

Sessões cineclubistas: cinema amazônico em primeira pessoaA culminância da oficina foi celebrada em sessões cineclubistas comunitárias, realizadas em praça pública. A tela montada sob o céu amazônico projetou não apenas filmes, mas narrativas nascidas da própria região, exibidas com a presença de seus realizadores.

- Rosilene Cordeiro apresentou Feitiço, um filme que mescla estética experimental e raízes da cultura popular;

- Marcelo Rodrigues exibiu Chamando os Ventos – uma cartografia dos assovios, um trabalho poético que investiga a relação entre som, território e memória;

- Roberta Mártires trouxe Murerureua Ati-nã-nã, obra que resgata vozes ancestrais em diálogo com práticas contemporâneas.

Essas sessões, longe de serem apenas projeções, se converteram em rodas de debate, celebrações coletivas e encontros intergeracionais, em que cinema e comunidade se confundem.

Presenças que fortalecemOutro destaque foi a participação da Sargento Socorro, representante da ONG Guardiões, que acompanhou as atividades no Monóculo. Sua presença reafirmou o caráter intersetorial da experiência: a cultura, o audiovisual e a memória dialogando com iniciativas de cidadania, proteção social e segurança comunitária.

Esse encontro simbolizou como o FICCA e o Monóculo não atuam isolados, mas tecem redes entre arte, educação, território e cidadania, ampliando o alcance social de suas práticas.

Impactos no território: conhecimento, pertencimento e rendaAlém do impacto simbólico e pedagógico, a passagem do FICCA pelo Monóculo deixou efeitos concretos em Quatipuru. “Quando a comitiva passa por aqui, ela beneficia não só em conhecimento, mas também em recursos. Foram três dias de hospedagem, alimentação e circulação no município. Tudo foi consumido aqui, gerando renda e divulgando as belezas locais”, explica Cássia.

Esse efeito multiplicador mostra que um festival cultural pode ser motor de desenvolvimento sustentável, unindo formação crítica, inclusão cultural e geração de renda.

Um modelo diferenciado no BrasilNo cenário dos festivais brasileiros, o FICCA ocupa um lugar singular. Ao contrário dos grandes eventos urbanos que priorizam mercado e visibilidade midiática, ele se estrutura como rede pedagógica e social, onde oficinas, cineclubes e práticas comunitárias são tão importantes quanto as exibições.

ree

A parceria com o Monóculo da Vovó é exemplo desse diferencial: juntos, eles oferecem uma experiência em que o cinema não é espetáculo distante, mas linguagem partilhada, plantio de memória e ato político de resistência.

Memória e futuro em movimentoNo Monóculo, cada oficina é um ato de preservação; cada filme exibido é um gesto de reconhecimento; cada roda de conversa é um exercício de cidadania. Ao lado do FICCA, o espaço coordenado por Cássia Costa reafirma que a Amazônia não é apenas cenário: é protagonista de suas histórias.

“Qualquer conhecimento é sempre bem-vindo. Para a gente, é muito bacana receber o FICCA porque a gente agrega conhecimento e a comunidade também. Isso é importante para que ninguém esqueça que, para avançar, é preciso olhar para trás”, conclui Cássia.

E assim, entre o olho atento da Vovó e as lentes insurgentes do Caeté, segue-se plantando futuro: um futuro em que cinema, memória e resistência caminham juntos.

FICCA – Festival Internacional de Cinema do Caeté (2015–2025)

Monóculo da Vovó – Ponto de Cultura de Quatipuru

Juntos, eles reafirmam que na Amazônia o cinema não é espetáculo: é plantio, é semeadura de futuro, é ato de resistência coletiva.

ree

REALIZAÇÃO: X FICCA – Festival Internacional de Cinema do Caeté / Arte Usina Caeté

PATROCÍNIO: Governo Federal/Ministério da Cultura; Governo do Pará/Secretaria de Cultura/Fundação Cultural do Pará, através da PNAB e Lei Semear; da Fundação Guamá, Parque de Ciência e Tecnologia - Guamá; Instituto Sustentabilidade da Amazônia com Ciência e Inovação; e Casa Poranga e de Seu Rompe Mato

APOIO CULTURAL: Multifário; Associação Remanescentes de Quilombolas do Torre/Tracuateua; Grupo de Pesquisas PERAU-PPGARTES-UFPA; Academia de Letras do Brasil; ALB-Bragança; Henrique Brito Avocacia.

APOIO INTERNACIONAL: Livraria Independente Gato Vadio (Porto); BEI Film; Escola Superior de Teatro e Cinema - Instituto Politécnico de Lisboa; Associação Nacional de Cinema e Audiovisual de Cabo Verde; Fundação Servir Cinema Cinema - Cabo Verde

PARCERIA: BRAGANÇA: CVC; Pousada de Ajuruteua; Pousada Casa Madrid; Pousada Aruans Casarão; Mexericos na Maré; Paróquia de São João Batista; AUGUSTO CORREA: Escola Lauro Barbosa dos Santos Cordeiro - Patal; EMEF André Alves – Nova Olinda. PRIMAVERA: Vereador Waldeir Reis; Espaço Cultural Casa da Vózinha; Associação dos Produtores de Guarumandeua; Associação dos Agricultores de Siquiriba; QUATIPURU: Monóculo da Vovó; Associação Quilombola de Sacatandeua; ANANINDEUA: Centro Cultural Rosa Luxemburgo; BELÉM: Cordel do Urubu; Vagalume Boi Bumbá da Marambaia; Cine Curau; Casa do Poeta Caeté.

...

COORD. PEDAGÓGICA: ROSILENE CORDEIRO / MARCELO SILVA

COORDENAÇÃO: Francisco Weyl

COORD. PRODUÇÃO: Roberta Mártires

 


 
 
 

Comentários


  • Facebook ícone social
  • Instagram
  • Twitter
  • LinkedIn

FICCA © 2022 

bottom of page