FICCA e Escola República de Portugal promovem formação audiovisual e documentário pelos 75 anos da Escola
- Francisco Weyl

- 20 de out.
- 8 min de leitura
A história da Escola Municipal de Ensino Fundamental República de Portugal é inseparável da própria história do bairro da Marambaia e, em alguma medida, de Belém. Fundada em 1951, a escola atravessou décadas de transformações sociais, urbanísticas e culturais, permanecendo como um farol comunitário em meio às contradições da Amazônia urbana. Hoje, aos 74 anos (05.10.2025), a segunda mais antiga escola da rede municipal guarda em seus corredores uma memória viva, feita de vozes que se repetem de geração em geração: avós, pais e netos que sentaram nas mesmas carteiras, estudaram nas mesmas salas, e retornam, agora, com filhos matriculados, para renovar o ciclo de pertencimento.
Em 2024, a escola passou por uma ampla obra de revitalização realizada pela Prefeitura de Belém, com investimento de R$ 2.231.042,42, beneficiando diretamente mais de 760 estudantes, incluindo as turmas de Educação de Jovens, Adultos e Idosos (Ejai). As intervenções modernizaram a infraestrutura, climatizaram salas de aula e revitalizaram os espaços esportivos, melhorando significativamente o ambiente escolar. Para o diretor Thiago Oliveira, foi a realização de um sonho.
Com cerca de 700 matrículas ativas, todas no ensino fundamental regular, a República de Portugal é uma escola de médio porte, administrada por um corpo docente de 75 professores, sob a direção do professor Tiago Oliveira. Essa estrutura, ainda que robusta para os padrões da rede, convive com limitações já conhecidas: biblioteca com acervo modesto, laboratório de informática defasado, equipamentos multimídia insuficientes e infraestrutura física que sofre com a pressão orçamentária. A manutenção é constante, mas não supre plenamente as demandas de uma comunidade estudantil diversa e exigente.
A singularidade da República de Portugal não está apenas em sua longevidade, mas em sua condição de espelho das contradições urbanas de Belém. Localizada em um bairro popular, a escola é cercada por famílias trabalhadoras, muitas delas em ocupações informais, com rendas que raramente ultrapassam dois salários mínimos. A escolaridade dos responsáveis é, em geral, limitada: muitos concluíram apenas o ensino fundamental, outros não chegaram a completá-lo, e apenas uma parcela pequena alcançou o ensino médio ou superior. Essa realidade interfere diretamente na capacidade de acompanhamento escolar dos filhos — não por falta de vontade, mas pelas barreiras impostas pelo trabalho exaustivo, pela instabilidade econômica e pela ausência de repertório pedagógico para auxiliar nas tarefas.
O cotidiano das famílias revela a precariedade e a criatividade da vida urbana periférica. A maioria dos lares dispõe de televisão e celular, este último funcionando como principal porta de acesso à informação e, em muitos casos, aos conteúdos escolares. Contudo, o acesso a computadores e internet de qualidade é restrito: muitos estudantes dependem de pacotes móveis limitados, que não permitem uma navegação fluida em plataformas educacionais. O espaço de estudo em casa também é um desafio: raramente há um cômodo exclusivo ou silencioso, e não é incomum que as tarefas escolares sejam realizadas na mesa da cozinha, no sofá da sala, ou dividindo espaço com os ruídos da rua.
Esse contexto se reflete diretamente nos resultados pedagógicos. O movimento Todos Pela Educação estabeleceu como meta que 70% dos estudantes atingissem níveis adequados de aprendizagem até 2021. A República de Portugal corre atrás desta meta, mas distante dessa marca: em 2019, apenas 38% dos alunos alcançaram o aprendizado adequado em Língua Portuguesa e, em Matemática, o índice foi de 12%. Em 2023, os números recuaram: 34% em Língua Portuguesa e 10% em Matemática. Os percentuais colocam a escola em uma faixa de alerta, com Matemática próxima ao nível crítico definido pelo SAEB.
Os resultados, entretanto, não podem ser lidos como falha exclusiva da escola ou de seus profissionais, que são competentes e dedicados. Os resultados refletem uma cadeia de desigualdades que atravessa o processo pedagógico: infraestrutura precária, rotatividade docente, falta de tempo para planejamento coletivo, famílias com baixa escolaridade e contextos de vulnerabilidade social. A pandemia de Covid-19 agravou essas defasagens: em 2020 e 2021, as aulas presenciais foram suspensas, substituídas por atividades impressas e tentativas de ensino remoto mediadas por aplicativos de mensagem. Muitos estudantes, sem internet estável ou ambiente adequado de estudo, acumularam lacunas que hoje se refletem nos índices de desempenho.
Ainda assim, há sinais de resistência. Em 2023, a escola registrou ausência de reprovações e abandonos, assegurando a permanência dos estudantes. Permanência, no entanto, não equivale a sucesso de aprendizagem: muitos alunos avançam de ano sem consolidar competências básicas, reproduzindo um ciclo de fragilidades que se arrasta até o 9º ano, quando as exigências do currículo aumentam.
A composição étnico-racial da comunidade escolar também é reveladora: a maioria dos estudantes se autodeclara parda ou preta, acompanhada de uma presença significativa de alunos indígenas. Esse perfil não é apenas estatístico, mas denuncia a intersecção entre raça, território e desigualdade. A escola, nesse sentido, é um retrato da Marambaia: um espaço popular, com forte identidade cultural, que combina precariedade urbana com redes de solidariedade e criatividade coletiva.
Apesar dos limites, a República de Portugal resiste. Professores comprometidos buscam alternativas, a gestão escolar tenta criar vínculos com famílias e parcerias externas, e a comunidade participa, com o que pode, da vida escolar, através de projetos e parcerias. As festas juninas, desfiles, atividades culturais e esportivas permanecem como marcos de encontro e pertencimento. A escola não é apenas espaço de ensino formal: é também patrimônio afetivo, ponto de encontro intergeracional e referência para a identidade do bairro.
O futuro, no entanto, exige mais do que celebrações. Com a proximidade do aniversário de 75 anos em 2026, a escola precisa enfrentar um duplo desafio: continuar garantindo acesso e permanência, mas elevar substancialmente o nível de aprendizagem. Para isso, será necessário investir em políticas pedagógicas consistentes de reforço, ampliar o tempo de estudo, qualificar continuamente o corpo docente e articular a escola a projetos culturais e comunitários que expandam o horizonte dos alunos.
A marca dos 75 anos é simbólica e política. Poucas escolas públicas alcançam tamanha longevidade em territórios periféricos, onde a precariedade estrutural costuma ser acompanhada de abandono estatal. Celebrar a história da República de Portugal, portanto, é também denunciar suas contradições: índices educacionais abaixo do desejado, famílias atravessadas pela pobreza, estudantes desafiados por lacunas de aprendizagem que não conseguiram ser sanadas. Mas é, sobretudo, reafirmar sua importância histórica como patrimônio comunitário e como espaço de resistência.
A memória que se guarda nos corredores da escola é também um projeto para o futuro. Ao revisitar sua trajetória e valorizar suas memórias, a República de Portugal pode construir narrativas que fortaleçam o presente e projetem novos horizontes. Mais do que relembrar o passado, trata-se de dar visibilidade às vozes que sempre estiveram ali, mas foram historicamente silenciadas. Nesse sentido, o aniversário de 75 anos não pode ser apenas comemorativo: deve ser um ponto de inflexão, em que memória e crítica se encontrem para desenhar novos caminhos.
A República de Portugal é, em suma, um espelho da Amazônia urbana: frágil em suas condições materiais, mas forte em sua identidade comunitária. É um espaço de desigualdade e, ao mesmo tempo, de potência cultural. É uma escola que sobreviveu a ditaduras, reformas educacionais, pandemias e à negligência estatal, e que agora se prepara para reafirmar sua relevância no século XXI. Seu futuro dependerá não apenas de políticas públicas, mas também da capacidade de mobilizar sua comunidade e articular saberes, memórias e projetos coletivos.
Se a educação é, como se diz, uma aposta no futuro, a República de Portugal prova que também é uma aposta na memória. Ao completar 75 anos, não é apenas a escola que chega a esse marco: é toda uma comunidade que se reconhece em sua história, e que insiste em resistir, aprender e sonhar, apesar das desigualdades que insistem em se reproduzir.
É neste tempo presente, neste agora de desafios e possibilidades, que se consolida a parceria entre a República de Portugal e o FICCA – Festival Internacional de Cinema do Caeté. O cinema, a produção audiovisual e a cultura surgem como ferramentas pedagógicas vigorosas, capazes de despertar a leitura, a escrita e o raciocínio crítico. Mais do que um complemento ao ensino, a inserção cultural pode ocupar os espaços deixados pelas lacunas do aprendizado formal, conectando saberes locais, tradições comunitárias e as competências exigidas pelas avaliações externas.
O primeiro passo será dado pelas atividades cineclubistas, em que cada sessão se tornará um ciclo formativo, ampliando os limites da escola para além da sala de aula e transformando o território escolar em espaço de encontro, reflexão e criação. Trata-se de um processo pedagógico aberto e relacional, em que todos são convidados a participar sob o espírito agregador do cinema.
A médio prazo, as sessões se expandirão para envolver toda a comunidade, despertando o interesse para formações específicas que culminarão na produção de um documentário sobre os 75 anos da República de Portugal. Ao longo de 2026, oficinas serão realizadas de forma contínua, estimulando o surgimento de núcleos de produção e realização audiovisual. Dessa forma, estudantes, professores e moradores serão chamados não apenas a assistir, mas a criar, narrando sua própria história e reafirmando a escola como farol de memória, resistência e invenção coletiva.
A primeira sessão cineclubista no âmbito desta parceria ocorrerá no dia 3 de Novembro de 2025, a partir das 19h, com a presença dos coordenadores e produtores do FICCA, além de lideranças culturais da comunidade.
Francisco Weyl
CARPINTEIRO DE POESIA

#ParaTodosVerem:Cartaz colorido do Festival Internacional de Cinema do Caeté em parceria com a Escola República de Portugal. No topo, em fundo bege, estão escritos os nomes “Festival Internacional de Cinema do Caeté” e “Escola República de Portugal”.
No centro, há uma arte simbólica: uma câmera de cinema estilizada é erguida por dois punhos cerrados — um à esquerda, em preto, e outro à direita, segurando uma película de filme que traz impressa uma parte do mapa do estado do Pará. Atrás da câmera, aparecem formas geométricas nas cores vermelha e verde, que remetem às cores do Pará e da floresta amazônica.
Na parte inferior, sobre fundo claro, o texto anuncia:“Projeção dos filmes Murerureua Ati-Nã-Nã + Cenas Poéticas da Marambaia + Nas Águas do Rio Tijuoca o Patal Conta a Sua História.Dia 3 de novembro, 19h – Local: Escola República de Portugal, R. Anchieta, 359 – Marambaia, Belém – PA, 66615-030.”
Abaixo, aparecem logotipos de patrocínio e apoio: Governo do Pará, Secretaria de Cultura, Fundação Guamá, FICCA, ISAC, Governo Federal – Ministério da Cultura e outros parceiros culturais nacionais e internacionais.
O cartaz transmite uma mensagem de resistência, formação e celebração, destacando o cinema como ferramenta de memória e empoderamento comunitário no bairro da Marambaia.
REALIZAÇÃO: X FICCA – Festival Internacional de Cinema do Caeté / Arte Usina Caeté
PATROCÍNIO: Governo Federal/Ministério da Cultura; Governo do Pará/Secretaria de Cultura/Fundação Cultural do Pará, através da PNAB e Lei Semear; da Fundação Guamá, Parque de Ciência e Tecnologia - Guamá; Instituto Sustentabilidade da Amazônia com Ciência e Inovação; e Casa Poranga e de Seu Rompe Mato
APOIO CULTURAL: Multifário; Associação Remanescentes de Quilombolas do Torre/Tracuateua; Grupo de Pesquisas PERAU-PPGARTES-UFPA; Academia de Letras do Brasil; ALB-Bragança; Henrique Brito Avocacia.
APOIO INTERNACIONAL: Livraria Independente Gato Vadio (Porto); BEI Film; Escola Superior de Teatro e Cinema - Instituto Politécnico de Lisboa; Associação Nacional de Cinema e Audiovisual de Cabo Verde; Fundação Servir Cinema Cinema - Cabo Verde
PARCERIA: BRAGANÇA: CVC; Pousada de Ajuruteua; Pousada Casa Madrid; Pousada Aruans Casarão; Mexericos na Maré; Paróquia de São João Batista; AUGUSTO CORREA: Escola Lauro Barbosa dos Santos Cordeiro - Patal; EMEF André Alves – Nova Olinda. PRIMAVERA: Vereador Waldeir Reis; Espaço Cultural Casa da Vózinha; Associação dos Produtores de Guarumandeua; Associação dos Agricultores de Siquiriba; QUATIPURU: Monóculo da Vovó; Associação Quilombola de Sacatandeua; ANANINDEUA: Centro Cultural Rosa Luxemburgo; BELÉM: Cordel do Urubu; Cine Curau; Casa do Poeta Caeté.
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COORD. PEDAGÓGICA: ROSILENE CORDEIRO / MARCELO SILVA
COORDENAÇÃO: Francisco Weyl
COORD. PRODUÇÃO: Roberta Mártires
FICCA – Festival Internacional de Cinema do Caeté – Ano 10
@ficcacinema




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