Cuité Marambaia no FICCA: Arte e Pedagogia na décima edição do Festival
- Francisco Weyl

- 28 de ago.
- 6 min de leitura
Atualizado: 14 de out.

Há dez anos, o Festival Internacional de Cinema do Caeté (FICCA) pulsa no coração do Pará, entre marés e memórias, cinema e comunidade. Mais do que uma mostra de filmes, o FICCA se consolidou como um laboratório vivo de formação, escuta e criação coletiva, um espaço onde arte, pedagogia e identidade se encontram. No centro desta experiência, nomes como Francisco Weyl, Marcelo Rodrigues, Rosilene Cordeiro, Roberta Mártires e, especialmente, Cuité Marambaia, se destacam por transformar cada edição do festival em um evento que ultrapassa as telas e se derrama na vida das comunidades.
Entre esses protagonistas, Cuité Marambaia se tornou um pilar essencial, contribuindo desde a primeira edição do FICCA com sua visão artística, pedagógica e comunitária. Mestre de cultura popular, pesquisador, artista plástico, alegorista, poeta, arte-educador, compositor, desenhista, pintor, escultor, dramaturgo, ator, mestre de boi e carnavalesco, Cuité construiu uma trajetória dedicada à valorização e defesa da cultura amazônica, especialmente na difusão do Carimbó e no fortalecimento das tradições do Boi-Bumbá com o Vagalume da Marambaia.
A Presença de Cuité no FICCA: História e Continuidade
Cuité está presente no FICCA desde seu nascimento, em 2014. Essa participação não é casual: ele mantém uma parceria de longa data com Francisco Weyl, que remonta aos projetos de arte de rua da Marambaia e à Troupe The 4 PraCena, na década de 1980. A colaboração entre os dois artistas consolidou uma trajetória de resistência cultural, educação popular e intervenção estética em espaços comunitários.
O papel de Cuité no festival vai além da presença física: ele cria metodologias pedagógicas próprias, utilizando objetos e adereços como instrumentos de aprendizagem nas oficinas. Entre suas criações estão a Câmera Caruana, a Nega Benedita e diversos outros trabalhos que se transformam em ferramentas de ensino, exploração e experiência artística para crianças e jovens. Estas oficinas se articulam com os demais eixos do festival, coordenados pedagogicamente por Marcelo Rodrigues (oficinas audiovisuais) e Rosilene Cordeiro (oficinas artísticas), criando um ecossistema pedagógico integrado que alia prática, teoria e experiência sensível.
Segundo Cuité:
“O FICCA representa a descoberta das pessoas. É focado em comunidades ancestrais do povo quilombola, do povo caboclo, do povo indígena. O foco sempre é resgatar a história e a grandeza de um povo. E eu fico muito feliz de poder participar do FICCA, principalmente saber que faz dez anos que eu estava ali também contribuindo para isso e aprendendo muito mais do que só contribuindo.”
Sua atuação é reconhecida pelo Sistema Estadual de Cultura (SECULT), que o nomeou Mestre de Cultura, valorizando não apenas sua produção artística, mas também sua influência educativa e comunitária.

Oficinas e Metodologias de Cuité: Arte, Aprendizagem e Comunidade
Nas oficinas do FICCA, Cuité atua como mediador, orientador e artista, proporcionando experiências de criação e descoberta. Sua metodologia combina artesanato, música, teatro, bonecos e cinema, permitindo que cada participante explore diferentes linguagens artísticas enquanto se conecta com suas memórias e com a história local.
A criação de objetos como a Câmera Caruana exemplifica essa abordagem: não é apenas um equipamento, mas uma pedagogia prática que ensina técnicas de filmagem, narrativa e estética, enquanto estimula a criatividade e o pensamento crítico. Assim, os participantes aprendem a produzir imagens que refletem sua própria realidade e identidade, tornando-se coautores de suas histórias.
O Boi Vagalume da Marambaia, outra de suas criações emblemáticas, é uma narrativa viva de resistência cultural. Surgido em 2010, o projeto une arte, educação e memória popular, percorrendo escolas, praças e comunidades, com oficinas de construção de adereços, instrumentos musicais e bonecos, além de contação de histórias e performances. Cuité, como mestre fomentador, orienta cada etapa, garantindo que o festival seja também um laboratório de formação artística e cidadania.
“É sempre um aprendizado trabalhar com a nova juventude, poder ter acesso a esse diálogo com os jovens das escolas, às crianças também. É um aprendizado mútuo, onde todos aprendemos e trocamos sabedorias. O professor não está atrás da mesa; ele vai para a roda junto com todos, discutindo, pensando, informando, e também pegando de volta as sabedorias que o povo tem a oferecer.” – Cuité Marambaia

A Arte como Ferramenta de Transformação
O trabalho de Cuité no FICCA transcende a prática artística: ele constrói pontes entre geração, memória e cidadania. Cada oficina, cada objeto criado, cada roda de conversa transforma-se em oportunidade de desenvolvimento social e cultural.
A música, por exemplo, desempenha papel central: o Carimbó, o Boi Vagalume e as canções autorais criadas pelo artista não são apenas expressões estéticas, mas ferramentas pedagógicas, transmitindo valores, história e identidade cultural. Cada apresentação, cada roda de carimbó na Praça da República, conecta a comunidade ao festival e ao território cultural do Caeté, fortalecendo a pertença coletiva.
O impacto pedagógico é ainda mais evidente nas oficinas de jovens e crianças. Ao participar da construção de bonecos, adereços e instrumentos, os estudantes desenvolvem habilidades técnicas, senso crítico e consciência cultural, compreendendo seu papel na preservação da memória popular.

O FICCA: Dez Anos de História e Transformação
Desde sua primeira edição, o FICCA buscou descentralizar o cinema e levá-lo às comunidades. Ao longo das dez edições, o festival consolidou parcerias com escolas, associações culturais, pontos de cultura e políticas públicas, tornando-se referência nacional em cinema e pedagogia comunitária.
Cada edição do FICCA deixou marcos importantes:
Primeira edição (2014): levada de cinema às escolas e praças do Caeté.
Segunda edição: primeiras oficinas formativas, aproximando jovens do audiovisual.
Terceira edição: expansão para escolas públicas e consolidação de parcerias institucionais.
Quarta edição: presença nas comunidades ribeirinhas e quilombolas.
Quinta edição: fortalecimento pedagógico e concepção de oficinas estruturadas.
Sexta edição: internacionalização, com filmes estrangeiros ecoando no Caeté.
Sétima edição: afirmação da memória oral e audiovisual das comunidades.
Oitava edição: foco em novas linguagens e videoarte.
Nona edição: articulação com políticas públicas e pontos de cultura.
Décima edição: celebração do percurso e renovação do compromisso: um cinema do encontro.
Cuité, com sua experiência e sensibilidade, foi parte fundamental em todas essas etapas, garantindo que cada edição do FICCA não fosse apenas exibição, mas formação, pertencimento e transformação social.
Reconhecimento e Legado
O reconhecimento de Cuité pelo SECULT como Mestre de Cultura Popular é apenas uma das muitas formas de valorização do seu trabalho. Sua atuação com o Coletivo Cidade Tambor, o Vagalume da Marambaia e a Troupe The 4 PraCena exemplifica como a arte pode ser ferramenta de resistência, educação e transformação comunitária.
Além disso, suas criações pedagógicas no FICCA — desde objetos cenográficos até a integração de oficinas audiovisuais e artísticas — consolidam metodologias que agora são referência nacional. Marcelo Rodrigues, Rosilene Cordeiro, Roberta Mártires e Jass Saldanha reconhecem Cuité como motor artístico e pedagógico do festival, cuja presença transforma experiências isoladas em processos coletivos de aprendizagem e pertencimento.
Depoimento de Cuité
Em suas próprias palavras, Cuité sintetiza sua visão:
“Viva o artista, viva a cultura popular, viva o cinema, viva o FICCA. Ninguém pode ser feliz sozinho. Trabalhar com a pedagogia da arte-educação, onde todos aprendem e ensinam juntos, é a essência do festival.”
Seu compromisso não é apenas com a arte, mas com a comunidade, memória e futuro. Cada oficina, cada apresentação e cada intervenção cultural torna-se oportunidade de despertar a juventude e fortalecer identidades culturais.
Conclusão
A história de Cuité Marambaia e do FICCA é, antes de tudo, uma história de resistência cultural, pedagógica e comunitária. Mestre, artista, educador e ativista, Cuité transformou o festival em um espaço de aprendizado, emoção e descoberta, conectando arte, cinema e comunidade em uma rede de pertencimento que se estende muito além das telas.
O FICCA, ao celebrar dez anos, reafirma o valor da presença feminina e masculina, de mestres e jovens, de artistas e pedagogos, mostrando que cinema e cultura são, sobretudo, ferramentas de transformação social e educacional. Entre eles, Cuité se mantém como figura central, motor artístico, pedagógico e ético, garantindo que o festival continue a pulsar com a mesma energia criativa e comunitária que o tornou único no Brasil e no mundo.

REALIZAÇÃO: X FICCA – Festival Internacional de Cinema do Caeté / Arte Usina Caeté
PATROCÍNIO: Governo Federal/Ministério da Cultura; Governo do Pará/Secretaria de Cultura/Fundação Cultural do Pará, através da PNAB e Lei Semear; da Fundação Guamá, Parque de Ciência e Tecnologia - Guamá; Instituto Sustentabilidade da Amazônia com Ciência e Inovação; e Casa Poranga e de Seu Rompe Mato
APOIO CULTURAL: Multifário; Associação Remanescentes de Quilombolas do Torre/Tracuateua; Grupo de Pesquisas PERAU-PPGARTES-UFPA; Academia de Letras do Brasil; ALB-Bragança; Henrique Brito Avocacia.
APOIO INTERNACIONAL: Livraria Independente Gato Vadio (Porto); BEI Film; Escola Superior de Teatro e Cinema - Instituto Politécnico de Lisboa; Associação Nacional de Cinema e Audiovisual de Cabo Verde; Fundação Servir Cinema Cinema - Cabo Verde
PARCERIA: BRAGANÇA: CVC; Pousada de Ajuruteua; Pousada Casa Madrid; Pousada Aruans Casarão; Mexericos na Maré; Paróquia de São João Batista; AUGUSTO CORREA: Escola Lauro Barbosa dos Santos Cordeiro - Patal; EMEF André Alves – Nova Olinda. PRIMAVERA: Vereador Waldeir Reis; Espaço Cultural Casa da Vózinha; Associação dos Produtores de Guarumandeua; Associação dos Agricultores de Siquiriba; QUATIPURU: Monóculo da Vovó; Associação Quilombola de Sacatandeua; ANANINDEUA: Centro Cultural Rosa Luxemburgo; BELÉM: Cordel do Urubu; Vagalume Boi Bumbá da Marambaia; Cine Curau; Casa do Poeta Caeté.
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COORD. PEDAGÓGICA: ROSILENE CORDEIRO / MARCELO SILVA
COORDENAÇÃO: Francisco Weyl
COORD. PRODUÇÃO: Roberta Mártires




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